Toguênkyo
Seg 8 Mar 2010 - 16:02
Antigamente no Japão havia muitos vendedores ambulantes que levavam as mais distantes aldeias, vários produtos que só era possível encontrar apenas na capital. Certa ocasião um desses vendedores, cujas mercadorias que vendia eram chás e produtos de beleza femininos, andava nos atalhos de uma montanha, e ficou perdido no meio da mata. Havia então um enorme bambuzal que parecia não ter fim. Enquanto se esforçava para atravessar o bambuzal, o vendedor ia lamentando a sua falta de sorte.
-Além de não conseguir vender nada, ainda fui me perder...
Depois de muito esforço e ganhar alguns arranhões nos braços, o vendedor finalmente conseguiu chegar a uma enorme clareira cor de rosa. Havia ali grande quantidade de cerejeiras em flor que espalhava no local uma deliciosa flagrância.
O vendedor de chás respirou fundo e se deliciou com o agradável perfume que fazia ele esquecer o cansaço da longa e árdua caminhada. Nisso alguns rouxinóis começaram a cantar nos galhos das cerejeiras.
-“Nossa, isso parece o Toguenkyô, o Paraíso Terrestre!” -Disse o vendedor de chás se maravilhando em vários sentidos: com os ouvidos acompanhava o harmônico canto dos rouxinol; com o olfato absorvia o delicioso perfume das flores; a visão se extasiava com o céu cor de rosa coberto de flores da cerejeira e o tato experimentava a leveza das pétalas que desprendiam dos galhos, e choviam como flocos de neve, pousando levemente, na sua cabeça, ombro e braços. E o rapaz se deixou levar pela sensação maravilhosa que estava experimentando, deixou sua caixa de chás no chão e começou a dançar ao som dos rouxinóis.
Abriu os braços em gesto generoso e dançou, dançou, dançou, com gostoso sorriso nos lábios até cair de costas no grosso tapete de pétalas. Sentia-se feliz como nunca. Então suspirou o vendedor:
- “Ah! só falta a companhia de uma linda garota para completar este cenário perfeito!” Daí, como num passe de mágica, de trás dos troncos das cerejeiras surgiram quatro lindas garotas que cercaram o moço deitado.
- “Devo estar sonhando” - raciocinou o vendedor.
Sem nada dizer, as garotas o levantaram pelos braços e conduziram para um lindo palacete. O vendedor notou que havia uma grande curiosidade por parte das moças, em conhecer os produtos que ele trouxera e começou a mostrar. Havia além dos vários tipos de folhas trituradas para chás, cosméticos, pentes, enfeites para penteados e vários produtos femininos.
As moças ficaram encantadas com as mercadorias e manifestaram desejo de comprar vários produtos. Nisso adentrou a sala uma bonita senhora que se apresentou como Shizen, dona do palacete que tinha seu nome e era a mãe das quatro lindas garotas. Ato seguinte a senhora Shizen comprou todas as mercadorias.
Sem dúvida nenhuma a sorte tinha mudado para o vendedor. Produtos que não havia conseguido vender em uma semana de exaustiva caminhada, foram vendidos em alguns minutos como num passe de mágica. Quando agradeceu a todas pelas compras e se preparava para partir, a senhora lhe disse:
- O dia está acabando e o caminho de volta é longo. Na escuridão da mata poderá se perder. Por favor, aceite nossa hospedagem.
O vendedor não pensou duas vezes. Aceitou imediatamente a boa oferta e foi conduzido a um quarto do palacete. Haviam acontecido muitas coisas para um só dia. Bastou deitar para sentir uma canseira gostosa e logo pegou no sono.
Na manhã seguinte, durante a refeição matinal, dona Shizen fez uma surpreendente proposta ao vendedor.
- O senhor já deve ter percebido que neste palacete só vivem mulheres. Eu e minhas quatro filhas: Haruko, Natsuko, Akiko e Fuyuko. Gostaria que ficasse a vontade pelo tempo que quiser. Mais que isso, gostaria que casasse com uma das minhas filhas.
O jovem vendedor que sempre foi uma pessoa pobre e solitária não podia deixar passar uma oportunidade maravilhosa como aquela. Um rico lar e uma bela esposa. Assim concordou em casar com a filha mais velha, Haruko, cujo nome significa “Filha Primavera”. Foi uma cerimônia simples mas maravilhosa. Sob as vistas da bela e imponente mãe Shizen, as irmãs de Haruko dançaram para o casal, enquanto a noiva servia saquê para o noivo.
Sua vida mudou completamente. Já não precisava andar milhas e milhas oferecendo chás e cosméticos para pobres lavradores, para ganhar alguns trocados. Naquele maravilhoso palacete nem dinheiro precisava. Passava o dia ouvindo músicas de shamisem e koto tocadas pelas garotas, jogando cartas e criando poesias. Era feliz. Vivia um sonho.
Bem dizem que quando se é feliz, o tempo passa em incrível velocidade. Um ano se passou num piscar de olhos. O cheiro do ar denunciava a chegada da primavera. Ao acordar naquela manhã e dirigir-se ao refeitório do palacete, encontrou a mãe e suas quatro filhas vestidas em lindos trajes de gala.
- “Vamos ao Hanami (ritual de apreciação das flores de cerejeiras), por favor tome conta do palacete para nós.”, disse a senhora ao genro e antes de sair complementou: “Se ficar entediado de ficar sozinho, pode abrir e espiar um pouco, três dos quatro portões que existem salão principal, para se distrair. Porém o quarto portão você não deve abrir em hipótese alguma. Não está autorizado. Promete que não vai abrir?”.
- “De jeito nenhum.”
- “Ótimo, então até à tarde.”
Antigamente no Japão havia muitos vendedores ambulantes que levavam os produtos até as mais distantes aldeias. Certa ocasião um desses vendedores acabou encontrando um local muito bonito.
- “Nossa, isso parece o Toguenkyô, o Paraíso Terrestre! Devo estar sonhando” - disse maravilhado. Surgiram então quatro lindas garotas que cercaram o moço que deitara na relva.
As moças moravam num enorme palácio com a mãe, a senhora Shizen, que o convidou a passar a noite lá. Na manhã seguinte dona Shizen fez uma surpreendente proposta ao vendedor.
- O senhor já deve ter percebido que neste palacete só vivem mulheres. Eu e minhas quatro filhas: Haruko, Natsuko, Akiko e Fuyuko. Gostaria que ficasse a vontade pelo tempo que quiser. Mais que isso, gostaria que casasse com uma das minhas filhas.
O jovem que sempre foi uma pessoa pobre e solitária aceitou na hora.
Sua vida mudou completamente. Era feliz. Vivia um sonho. Numa manhã dona Shizen anunciou que iria ao Hanami (ritual de apreciação das flores de cerejeiras), e pediu para que ele ficasse tomando conta do palácio. Antes de sair, porém, só fez uma recomendação: “Se ficar entediado de ficar sozinho, pode abrir e espiar um pouco, três dos quatro portões que existem salão principal, para se distrair. Porém o quarto portão você não deve abrir em hipótese alguma. Não está autorizado. Promete que não vai abrir?”.
- De jeito nenhum.
No palacete Shizen havia um salão central onde haviam quatro portões fechados. O rapaz sempre teve curiosidade em saber o que haveria por atrás daqueles portões, porém como lhe haviam dito para não abrir, nunca tinha feito. Agora, pela primeira vez a dona da casa tinha autorizado que ele abrisse pelo menos três dos quatro portões. Sua curiosidade foi aguçada. Então se dirigiu ao salão central do palacete e abriu o primeiro portão.
O primeiro impacto foi um enorme clarão. Depois, as vistas foram acostumando e percebeu nitidamente uma paisagem de praia. O mar estava azul como só acontece no verão e uma brisa suave soprou amenizando o calor. O rapaz ficou admirando a paisagem durante alguns minutos, teve vontade de caminhar descalço pela praia, mas a curiosidade de ver o que existe atrás de outros portões o deteve. Fechou o primeiro portão e abriu o segundo.
Novamente um enorme clarão e as vista foram acostumando e o moço pode vislumbrar uma maravilhosa paisagem de outono. As folhas de momiji (acer) tingidas de amarelo-avermelhado cobriam matas e montanhas apresentando um cenário outonal de incrível beleza.
- Dá vontade de escrever uma poesia, pintar um quadro, plantar um bonsai! Pensou o rapaz.
Pouco depois, quando abriu a terceira porta, deparou com uma branca paisagem de neve que cobria campos, rios e montanhas. Apesar do frio invernal havia ali, uma vista de incrível beleza. Sendo aquele o último portão que ele estava autorizado a abrir, pensou em ficar mais tempo apreciando os flocos de neve que caiam mansamente. Porém como a proibição é a mãe da curiosidade, num impulso rápido, o moço fechou o terceiro portão e se dirigiu diante do quarto portão.
Vacilou por um momento ao lembrar as palavras de dona Shizen que o proibiu veementemente de abrir aquele portão. O moço até sabia o encontraria ali. Estava começando a entender que atrás de cada portão estava a alma de cada uma das filhas de Shizen (Natureza): Haruko (Filha Primavera), Natsuko (Filha Verão), Akiko (Filha Inverno) e Fuyuko (Filha Inverno). Entendeu porque mesmo abrindo o portão de três delas, apreciando a beleza da alma delas, nelas não permaneceu. Ele havia casado com Haruko, cujo portão não lhe fora autorizado abrir.
Com a mão tremendo na maçaneta, o jovem lutou consigo mesmo e foi vencido pela curiosidade. Abriu o quarto portão. Após um intenso clarão, tornou visível a paisagem que já esperava encontrar. Cerejeiras cobertas de flores e cantos de rouxinóis. Era uma visão maravilhosa, idêntica a de quando ele ali chegou, após estar perdido no bambuzal.
Ele adentrou a paisagem e os rouxinóis param de cantar. Em seguida saíram voando e o moço pode ver que eram quatro os pássaros que antes estavam cantando. Lamentou que as aves tivessem se retirado e nesse momento ouviu a voz da senhora Shizen, que vinha de algum lugar da bela paisagem:
- Vejo que você escolheu o caminho de volta a sua aldeia.
- Eu não quero voltar para minha aldeia. Quero ficar no palacete Toguenkyo. Respondeu o Rapaz.
- Ao adentrar aquele portão você caminhou em direção contrária de onde veio, portanto está caminhando de volta para sua aldeia. Nós gostaríamos que você ficasse em Toguenkyô, por isso aconselhamos a não abrir o quarto portão. Porém você quebrou a promessa e escolheu o caminho de volta. A escolha foi sua por isso nada podemos fazer agora.
- Por favor, gostaria pelo menos de saber quem são vocês. Implorou o rapaz.
- Sou o espírito da mata, das montanhas, dos seres vivos e dos fenômenos naturais. Minhas filhas são espíritos das estações do ano que transformadas em rouxinóis vem anualmente na cantar primavera, em louvor as cerejeiras. Como você não cumpriu o prometido, e as viu em forma de rouxinol, quebrou o encanto. Para você o sonho acabou. Adeus.
No instante seguinte a bela paisagem primaveril desapareceu por completo e o vendedor estava numa clareira de um bambuzal. Era uma paisagem melancólica, o vendedor sozinho com sua pesada caixa de mercadoria nas costas.
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